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Veraneios em Torres

Só não digo melancólicos os meus veraneios em Torres graças a este panorama esplêndido de que desfruto das janelas do meu apartamento. Podendo ver o sol nascer pela manhã e mergulhar no horizonte ao anoitecer, com o rio Mampituba desfilando à minha frente e vendo ao longe o perfil dos Aparados da Serra, colho forças para enfrentar a mesmice do dia-a-dia. O espetáculo me proporciona seguir os barcos de pesca em sua rota para o mar, mais a rotina dos pescadores de caniço e de tarrafa que tentam a sorte na beira do rio.

Nas outras duas praias em que veraneei e tive casas - Cidreira e Xangri-lá -, não havia nada disso. Era só a faixa de praia, os cômoros, as modestas casas de veraneio e a grandeza do Mar Oceano. Mas multiplicavam-se os conhecidos e as conhecidas, acenos, cumprimentos, intervalo de conversas nas caminhadas, e a invariável simpatia dos vizinhos, todos conhecidos de muitos anos. Já nem falo nos banhos de mar, em companhia da mulher e dos filhos jovens, com exercícios de nado, mergulhos e “jacarés”, que a idade ainda permitia.

Mas comecei a veranear aqui em Torres em 2014, com avançada idade, nesta quadra em que já se perderam quase todos os amigos e não há muita chance de fazer amizades novas. O resultado é que percorro todas as ruas da cidade e mais a orla marítima e não encontro sequer um conhecido para trocar impressões, ou algum eventual comentário sobre os saudáveis bumbuns que desfilam na praia. As temporadas praianas, de 2014 a 2017, têm sido uma espécie de “retiros espirituais”, daqueles a que nos submetiam os padres jesuítas do velho Anchieta, em que o silêncio era obrigatório. Faço 4 ou 5 quilômetros de caminhada sem falar com ninguém. Apenas recebendo algum atencioso “bom dia”, em função desse respeito que algumas pessoas tributam aos transeuntes muito velhos. É uma saudação formal, de mera generosidade com o macróbio que ainda se aventura a caminhar sem o apoio de uma bengala. De resto, as caminhadas não passam de operações de abastecimento da casa, com paradas em mercados, mercadinhos, farmácias e peixarias.

Em outros tempos, ao menos nos fins de semana, havia alegres reuniões de família. Agora elas se tornaram muito raras, porque os filhos foram dominados por um frenesi turístico que os leva a desertar, no verão, para insuspeitados lugares do mundo. Não me admira que, no ano que vem, resolvam visitar a Somália, Madagascar e a Tanzânia. Enquanto eu fico, melancolicamente, no meu retiro espiritual de Torres, contemplando em silêncio os crepúsculos e as pontes sobre o Mampituba.




VERANEIOS EM TORRES

Sérgio da Costa Franco

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